Escrever uma história íntima de migração

 

A Enciclopédia dos migrantes recoloca a questão das migrações numa abordagem sensível através da temática da distância. O que é que a distância produz no indivíduo? Como é que as referências são influenciadas pelo ato de abandono do país de origem?

Trata-se de reunir os testemunhos de sensibilidade de pessoas que vivenciaram migrações no seu percurso de vida. Em termos concretos, o projeto propõe partir ao encontro de migrantes, de pessoas que devido ao cruzamento de fronteiras e à instalação além das mesmas, usam identidades complexas e tentam conciliar culturas diferentes.

Os migrantes que escolherão associar-se a este projeto irão escrever uma carta privada a uma pessoa do seu país de origem e depois irão representar-se a si mesmos, com base no exercício do retrato com a colaboração de um fotógrafo.

O núcleo central da Enciclopédia será composto por testemunhos de imigrantes encontrados em diferentes países do projeto. Contudo, a obra irá conter igualmente testemunhos de pessoas que viveram uma experiência migratória e que regressaram ao seu país de origem. Estas pessoas irão escrever a um familiar no país de onde regressaram.

Na base no projeto, há sempre um encontro confiante, compreensivo e empático. É a qualidade desta ligação primordial que irá confortar as pessoas reunidas a confiar uma parte da sua intimidade com vista a expô-la no espaço público e assim partilhar o seu universo pessoal com os outros.

Porquê uma Enciclopédia dos migrantes?

Esta enciclopédia será concretizada sob a forma de uma produção editorial, inspirando-se formalmente na enciclopédia na versão original do século XVIII assinada por Diderot e d’Alembert, brincando com os seus códigos mas alterando o conteúdo. A obra será composta por três volumes de formato grande, a cores, com uma capa em couro e será uma edição limitada.

Uma enciclopédia é uma obra ou um conjunto de obras de referência que visa sintetizar e organizar o conhecimento existente ou uma parte determinada deste. Pelo que sabemos, não existe hoje em dia uma enciclopédia sobre as migrações. A Enciclopédia dos migrantes surge como recetáculo de uma multiplicidade de histórias de vida, e desvia assim um símbolo do saber dito legítimo para dele se reapropriar sob a forma da fabricação de um saber popular. No imaginário coletivo, a enciclopédia é uma obra preciosa que isola um saber legítimo. Pretendemos explorar o desvio entre o objeto precioso que representa o mundo das ideias e um conteúdo sensível inédito, muitas vezes desvalorizado. A finalidade desta enciclopédia não convencional é legitimar um outro tipo de saber.

Estaremos prontos a conceder uma legitimidade ao saber sensível num mundo fortemente desumanizado e dominado pela experiência? Que lugar na construção da Europa para o mundo da sensibilidade, para o conhecimento e a palavra do outro?

O desafio principal deste projeto é reconhecer o lugar das pessoas migrantes na nossa sociedade e participar de forma concreta no escrever da história e da memória das migrações. Trata-se afinal de tornar tangível, palpável este valor invisível, este património imaterial para o tornar nosso e inscrevê-lo na nossa história comum.

A Enciclopédia dos migrantes irá reunir uma coleção de 400 testemunhos sob a forma de cartas manuscritas de migrantes, acompanhadas de retratos fotográficos dos seus autores elaborados por fotógrafos locais e postas em perspetiva através de contribuições científicas de investigadores de ciências socais provenientes dos quatro territórios selecionados. As cartas serão escritas na língua materna das pessoas migrantes e depois traduzidas com a intenção de respeitar a língua dos autores. Esta enciclopédia será produzida em duas formas: uma versão impressa e uma versão digital.